Submarinos: A “guinada inteligente”
A - Introdução
Muito embora o emprego militar em grande escala de submarinos tenha se iniciado na Primeira Guerra Mundial, a Administração Naval Brasileira no período entre guerras nada fez para se adaptar a esse novo cenário tecnológico que impactou todas as Marinhas mundiais.
Os primeiros anos da participação da Marinha Brasileira na Segunda Guerra Mundial foram heróicos, porém dramáticos. Operávamos ainda meios navais adquiridos na Inglaterra na primeira década do século XX e estávamos despreparados em termos de equipamentos e pessoal para enfrentar as missões que se faziam necessárias à segurança do País.
Nos dois últimos anos daquele conflito mundial, quando os aliados já tinham equacionado o transporte marítimo no Atlântico Norte, o Brasil começou a receber dos EUA os navios e aviões que nos permitiram restabelecer nossa navegação de cabotagem e participar com eficiência da escolta aos comboios de navios mercantes que mantinham o nosso comercio exterior.
Os equipamentos e treinamento que a Marinha Brasileira recebeu na segunda metade do conflito provocaram um grande alívio, mas também uma enorme dependência tecnológica e doutrinária, que se perpetuou no pós-guerra, enquanto durou a bipolaridade característica da “Guerra Fria”. A maior parte dos investimentos e do adestramento realizados pela Marinha na segunda metade do século XX foi para fazer face a uma hipotética campanha anti-submarinos no cenário mundial bipolar, a qual se somou alguma preocupação com a possibilidade de conflito com a Argentina sem haver, mesmo nesse caso, grande preocupação de integração com o Exercito e a Força Aérea.
A Administração Naval, mesmo no século XXI, ainda tem grande dificuldade em interpretar a existência dos satélites de observação como forte restrição a operação de meios navais de superfície e decorrente a mudança de cenário da guerra naval. A maior parte dos investimentos realizados nos últimos quinze anos foram na aquisição ou modernização de navios de escolta, corvetas e fragatas, e na criação da aviação naval embarcada. Procedemos como se o muro de Berlim permanecesse intacto e ainda mantemos como pano de fundo a hipótese de conflito com a Argentina.
A existência de um plano de defesa integrado com as demais forças singulares indicaria a concentração dos esforços no estabelecimento de uma capacidade de dissuasão suficiente para inibir ameaças por forças aeronavais oriundas do hemisfério norte, priorizando a aquisição de submarinos dotados de mísseis sub-superfície, juntamente com navios-patrulha rápidos, helicópteros e aviões para controle da nossa zona costeira em época de paz.
B- Os submarinos (submersíveis) na Marinha Brasileira
Os primeiros submersíveis brasileiros foram adquiridos na Itália, como parte do programa naval de 1906. Estes pioneiros chegaram ao Brasil em 1914 e eram chamados “classe Foca” (F1,F3 e F5), quando foi criada a Força de Submersíveis. Na década de 1930, estes submarinos foram substituídos por outros 3, mais modernos, também adquiridos na Itália. Na segunda metade da década de 1950, a Marinha recebeu alguns submarinos convencionais (submersíveis) americanos da chamada “classe Guppy”, que haviam participado da campanha do Pacífico na Segunda Guerra Mundial. Na década de 1970 foram adquiridos os três submersíveis da Classe Oberon, encomendados na Inglaterra.
O desempenho insatisfatório dos submersíveis da Classe Oberon (um deles ficou imobilizado por alguns anos por defeitos em seus cabos elétricos) e a preocupação com a inferioridade em relação a outras marinhas sul-americanas estimulou a contratação de um submersível da Classe IKL209, construído na Alemanha, juntamente com mais 3 unidades cuja construção dos blocos centrais do casco seria feita no Brasil (NUCLEP), sendo que os blocos da proa e da popa continuaram sendo importados e montagem no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro. Um arranjo similar já havia sido adotado década de 1970 pela Argentina, porem com todas as unidades do casco fabricadas na Alemanha.
Na década de 1990, num esforço conjunto com os alemães, foram introduzidas modificações no projeto dos IKL209 (feito na década de 1970), mantendo-se a sistemática dos anteriores (construir a maior parte das unidades do casco e importar a unidade de proa e todos os demais componentes da Alemanha). Assim foi construído o quinto Submarino (submersível)
Com relação a doutrina de emprego e treinamento das tripulações, ao longo dos anos vem sendo feitos vários exercícios conjuntos com as forças de superfície, o que sem dúvida têm contribuído para o adestramento dos submarinistas e das forças de superfície, mas sempre dentro do viés da participação hemisférica no conflito bipolar.
C- O Programa de desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear na Marinha Brasileira.
Após uma avaliação realizada pelo Estado Maior da Armada, tomando como referência o relatório de um oficial que terminara o curso de pós-graduação em energia nuclear no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), a Administração Naval decidiu implementar todas as ações para viabilizar o programa de desenvolvimento do submarino nacional com propulsão nuclear, tendo havido, em 1979, a autorização do Presidente da República para tal.
O programa de desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear recebeu o nome de “Programa Chalana” e, conceitualmente, foi dividido em quatro projetos:
- Viabilização no país do combustível nuclear para propulsão.
- Desenvolvimento da Instalação Nuclear de Propulsão de submarinos.
- Projeto do submarino de propulsão nuclear .
- Implantação das instalações industriais necessárias à instalação e manutenção dos submarinos de propulsão nuclear.
C1-Viabilizaçã
Em 1975 foi celebrado o acordo nuclear Brasil-Alemanha. Como decorrência deste acordo, foram realizados contratos comerciais que previam a compra de algumas centrais nucleares para geração de energia elétrica e de instalações industriais que permitissem a produção do combustível nuclear necessário ao funcionamento dessas centrais. O domínio do ciclo do combustível nuclear confere ao país um importante “status” estratégico. Há indicações que a vontade de obter este “status” foi o grande catalisador do acordo, pelo lado brasileiro. Certamente, o alto valor do negócio foi o catalisador pelo lado alemão.
A pressão internacional fez com que constasse do acordo Brasil-Alemanha não só a completa monitoração pela AIEA – Agencia Internacional para Energia Atômica com a estrita proibição para qualquer aplicação militar dos materiais e tecnologias transferidas ou desenvolvidas em decorrência do acordo. Tal pressão fez também com que a Alemanha não transferisse para o Brasil a tecnologia de ultracentrifugaçã
A estrita proibição de utilizar tecnologias ou materiais decorrentes do acordo obrigou a Marinha a iniciar, priorizando parcerias com organizações nacionais, um projeto que se denominou “Projeto Ciclone”, O Projeto teve seu lançamento em 7 de março de 1979.
O Projeto Ciclone obteve seu primeiro resultado em 8 de setembro de 1982, quando foi realizada a primeira operação de enriquecimento de urânio em território brasileiro usando ultracentrífuga projetada e construída com tecnologia totalmente nacional. Depois desta data, foi iniciado o desenvolvimento de ultracentrífugas ainda mais avançadas, bem como de todos os equipamentos necessários a construção de usinas de enriquecimento. O desenvolvimento e construção de usinas piloto relativas a todas as demais etapas do ciclo do combustível nuclear também se seguiu a esse êxito inicial.
O Projeto Ciclone teve como base um intenso programa experimental, resultando um grande acervo tecnológico. A produção do combustível para os submarinos nucleares está claramente assegurada e a tecnologia desenvolvida para enriquecimento será utilizada na matriz energética nacional.
C2- Desenvolvimento da Instalação Nuclear de Propulsão de submarinos.
Em 1982, tão logo foi vislumbrado o sucesso na viabilização do combustível nuclear, foi acelerado o projeto de desenvolvimento da instalação nuclear de propulsão, denominado Projeto Remo. Este Projeto sem dúvida constituiu-se num dos maiores programas experimentais do Brasil.
Para validação experimental dos cálculos referentes ao núcleo do reator naval foi projetado e construído no IPEN - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, no campus da USP em São Paulo, um reator de pesquisas com núcleo configurável denominado IPEN/MB-01.
Para validação termo-hidraulica e testes de alguns componentes do primário da instalação nuclear de propulsão, foi construído na COPESP, atual CTMSP - Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, o maior laboratório de termo-hidraulica do hemisfério sul e um dos dez maiores do planeta.
Para teste das turbinas, geradores, condensadores e demais componentes do secundário, foi construído no Centro Experimental ARAMAR o Laboratório de Teste de Componentes do Secundário, dotado de uma caldeira convencional a óleo que fornece vapor nas mesmas condições que a instalação de propulsão nuclear produzirá.
Foram desenvolvidos e construídos no Brasil os protótipos de todos os componentes da propulsão nuclear, à exceção do motor elétrico da propulsão e do sistema de controle.
Foi iniciada, e logo após interrompida, a construção da instalação protótipo de terra da instalação nuclear de propulsão naval denominada LABGENE.
Em recente decisão, o Presidente Luiz Inácio da Silva priorizou a retomada deste projeto, determinando a liberação da primeira parcela de 130 milhões de reais para a construção desta instalação. Com adequado gerenciamento, esta instalação pode ser construída em quatro anos e avaliada em dois anos.
C3 - Projeto do submarino de propulsão nuclear
Na década de 1980 os projetos e modificações de submarinos eram da responsabilidade da Diretoria de Engenharia Naval, localizada no Rio de Janeiro. Os projetos CICLONE e REMO estavam localizados em São Paulo.
Razões administrativas e pessoais fizeram com que a Diretoria de Engenharia Naval insistisse e persistisse no projeto de um submarino (submersível) convencional pretensamente oceânico de maior deslocamento do que os IKL-209 alemães Esse projeto não tinha a menor pretensão de atender a requisitos que tornassem possível a adoção da propulsão nuclear naquele tipo de plataforma (casco). Ele recebeu o nome de Submarino Nacional SNAC-I tendo sido feito sem nenhuma base experimental no Brasil ou no exterior.
No início da década de 1990 a Administração Naval de então, reconhecendo a inutilidade daquele esforço, decidiu transferir para a COPESP (atual Centro Tecnológico da Marinha em SP) o projeto SNAC-I, sob a denominação de SNAC-IA
A COPESP recebeu então a diretiva de projetar o SNAC-1A aproveitando o que fosse possível do esforço já realizado no projeto do submarino nuclear, e direcionar o esforço para o desenvolvimento de um submersível convencional experimental que permitisse sua transformação em submarino de propulsão nuclear. O submarino com propulsão nuclear receberia a denominação SNAC-II.
No início da década de 1990 foi criado no atual CTMSP, próximo a USP em São Paulo, um Centro de Projetos de Submarinos (CPS) com instalações projetadas para esta finalidade. Este Centro privilegiava a possibilidade de participação de 163 engenheiros navais formados na Escola Politécnica da USP, que seriam apoiados por mais 400 engenheiros e físicos de varias especialidades existentes no CTMSP à época, bem como por mais 250 engenheiros e físicos pertencentes ao vizinho e colaborante IPEN- Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares.
No final de 1993 a COPESP expediu o relatório preliminar correspondente aos projetos SNAC-IA e SNAC- II e dos projetos do Laboratório de Hidrodinâmica (LABHIDRO) e do Laboratório de Mecânica de Estruturas (LABMEST), necessários à validação experimental do projeto de submarinos.
Em 1994 o programa de desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear teve sua prioridade rebaixada de 1 para 18, tendo sido decidido o retorno do projeto SNAC-I para o Rio de Janeiro. Foi então retomado o desenvolvimento do projeto de um submersível convencional oceânico desvinculado da possibilidade de adoção da propulsão nuclear. A Administração Naval, até fevereiro de 2007, voltou então a priorizar os navios de superfície, como se não existissem satélites e estivéssemos vivendo ainda a bipolaridade da Guerra Fria.
Naquele cenário de muito baixa prioridade ao desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear brasileiro, foram retomados os contatos com os alemães para a aquisição do submarino da classe IKL-214, similar ao que a Grécia havia adquirido com propulsão auxiliar utilizando células de combustível ou seja propulsão auxiliar AIP- “air independent propulsion”. Esse sistema de propulsão auxiliar, embora em velocidade muito baixa, aumenta o raio de ação submerso. A opção brasileira era a compra de um submarino projetado para ter propulsão auxiliar AIP, porém sem este sistema. O submarino IKL-214 cogitado custaria mais de meio bilhão de euros, viria sem propulsão AIP e não agregaria nenhum conhecimento relevante que pudesse objetivamente ser usado no desenvolvimento do submarino de propulsão nuclear brasileiro.
A Alemanha não dispõe de submarinos de propulsão nuclear, não tendo, portanto, uma base de dados experimentais correspondente. Não teria condições de oferecer parceria para o desenvolvimento deste tipo de submarino.
É importante ressaltar que o submarino IKL-214 não foi um projeto de sucesso pois, em virtude da consttação de diversos problemas técnicos, até o final do primeiro semestre de 2007 a Grécia vinha se recusando a receber a primeira unidade contratada, gerando um grande contencioso com o Governo Alemão.
Para otimizar e abreviar o tempo de desenvolvimento do submarino brasileiro de propulsão nuclear é desejável que seja utilizada a aquisição de novos submarinos convencionais a serem utilizados em águas rasas (“brown waters”) e de sistemas de armas para modernização dos submarinos IKL209 existentes. Isto seria um forte atrativo para a criação de uma parceria que possa auxiliar no projeto da plataforma (casco) do submarino nuclear de ataque bem como fornecer equipamentos e sistemas não nucleares da plataforma ainda não desenvolvidos no Brasil.
O fato de a Marinha Brasileira ter a propulsão nuclear praticamente desenvolvida diminui as restrições internacionais a esta parceria e nos faz eleger como parceiros preferenciais a França e a Rússia.
Uma vez reativado o projeto, é desejável o seu retorno para o Centro de Projeto de Submarinos em São Paulo tornando assim mais eficiente a compatibilizaçã
A utilização do apoio de um grupo de engenheiros (russos ou franceses) que tenham participado de projetos similares e acesso às respectivas bases de dados de seus paises de origem muito contribuirá para encurtar responsavelmente e com segurança o tempo necessário ao projeto.
É recomendável que seja retomada a idéia de construir o LABHIDRO e o LABMEST para que possamos, por conta própria, realizar projetos e modificações em submarinos no futuro.
C4 - Implantação das instalações industriais necessárias à instalação e manutenção dos submarinos de propulsão nuclear.
No início da década de 1990 foi realizado no Centro de Projetos de Submarinos em São Paulo o projeto de concepção e estudos de localização de um estaleiro dedicado a construção e manutenção de submarinos nucleares e convencionais, que pudesse operar de forma integrada com as excelentes instalações já existentes na NUCLEP.
É necessário retomar o projeto de detalhamento deste estaleiro que, uma vez construído, poderá ser operado por empresa nacional de grande porte, estimulando a criação de um complexo industrial nacional que participe da produção de equipamentos para o Ministério da Defesa.
Os submarinos convencionais a serem adquiridos poderão ser construídos com as seções de estrutura completamente fabricadas na NUCLEP e montagem no novo estaleiro, ficando as relativamente precárias e não dedicadas instalações existentes no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro com a finalidade de iniciar o mais rápido possível a recuperação e melhoria dos submarinos da Classe IKL-209.
D – Conclusão
A priorização da arma submarina poderá ensejar a obtenção do primeiro submarino com propulsão nuclear em uma década.