14/09/2008 | |
Um plano inexeqüível
Fez bem o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em submeter o texto do Plano Estratégico de Defesa ao Conselho Nacional de Defesa antes de tomar uma decisão a respeito. Quer o presidente da República que alguns pontos do plano sejam debatidos com maior profundidade. De fato, um documento cujo escopo é o planejamento da defesa do País, elaborado por um pequeno grupo de ministros - presidido pelo ministro da Defesa, coordenado pelo ministro de Assuntos Estratégicos e composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelos comandantes das três Forças -, não pode ser aprovado sem um amplo debate.
Até porque, como afirmaram à Folha de S.Paulo dois oficiais que participaram dos trabalhos do grupo, o documento contém idéias "realistas, amalucadas e inexeqüíveis". De fato, pelas informações fornecidas pelo ministro Mangabeira Unger em várias entrevistas depreende-se que o Plano Estratégico de Defesa é uma carta de intenções, nem sempre consentâneas com as reais necessidades e possibilidades do País. "Quando o plano for lançado, será atacado por formadores de opinião", antecipou o ministro. "Vão acusá-lo de desperdício de dinheiro e de ser instrumento armamentício (de uma corrida armamentista) ."
Pelo esboço até agora divulgado do plano, não há como acusá-lo de desperdício de dinheiro, uma vez que não há dinheiro para executá-lo. É um plano inexeqüível. Começa pela meta da elevação do orçamento militar de 1% do PIB para 2,5%, sem a preocupação de corrigir os problemas estruturais que deixam as Forças Armadas em situação de virtual penúria. Elas estão desaparelhadas não é por falta de dinheiro. Recebem o segundo maior quinhão do Orçamento da União, abaixo apenas do Ministério da Saúde. O problema é que, tal como está organizada a carreira militar, as despesas com pessoal, na ativa e na reserva, absorvem quantidades crescentes de recursos - que não sobram para a necessária compra de armas e o adestramento da tropa. Hoje se gasta com pessoal cerca de 80% do orçamento, participação que vem aumentando, ano a ano, há mais de duas décadas.
Pretende-se, ainda, conceder incentivos fiscais a empresas nacionais produtoras de armamentos para que as Forças Armadas não dependam de fornecedores externos. A criação de uma autarquia militar não passa de uma utopia. Nem a poderosa máquina militar norte-americana é auto-suficiente. Depende de componentes e de sistemas de armas completos, comprados de terceiros países. E como poderá um país como o Brasil, que mal reúne recursos para encomendar duas dúzias de aviões para a Força Aérea, montar uma indústria para projetar e construir caças de quinta geração? Como exercício de whishfull thinking o tema é excitante - mas a sua implementação esbarra, primeiro, no impedimento orçamentário e, depois, na dificuldade praticamente intransponível de encontrar parceiros que nos transfiram tecnologia militar de ponta.
Outro ponto a considerar no Plano Estratégico de Defesa é o modelo de serviço militar que o ministro Mangabeira Unger recomenda para o Brasil. Ele preconiza a volta ao serviço militar universal, agora também para mulheres: "Em um País tão desigual, uma das utilidades do serviço militar obrigatório é servir como nivelador republicano, em que a nação fique acima das classes." É a velha idéia, nascida na Revolução Francesa, da "Nação em armas", promotora da coesão nacional, que pouco sentido tem hoje, numa sociedade integrada por uma rede de ensino universal e ligada por meios instantâneos de comunicação.
Além disso, a idéia é objetivamente inexeqüível. Hoje, o Exército, com um efetivo de cerca de 220 mil homens, não incorpora mais de 70 mil recrutas por ano - os outros são engajados por períodos de até 8 anos - e, com isso, preenche suas necessidades. O ministro sugere que os jovens que não forem incorporados à tropa sirvam a um "serviço social obrigatório", trabalhando em regiões diferentes de onde moram. Ocorre que, segundo dados oficiais, existiam, em 2007, 2.110.996 homens e 2.076.135 mulheres com 18 anos. Imagine-se o custo de alojar, vestir, alimentar e transportar esse enorme contingente - privando o País, ademais, de sua força de trabalho e adiando compulsoriamente, por um ano, as expectativas de realização pessoal desses jovens.
Até porque, como afirmaram à Folha de S.Paulo dois oficiais que participaram dos trabalhos do grupo, o documento contém idéias "realistas, amalucadas e inexeqüíveis". De fato, pelas informações fornecidas pelo ministro Mangabeira Unger em várias entrevistas depreende-se que o Plano Estratégico de Defesa é uma carta de intenções, nem sempre consentâneas com as reais necessidades e possibilidades do País. "Quando o plano for lançado, será atacado por formadores de opinião", antecipou o ministro. "Vão acusá-lo de desperdício de dinheiro e de ser instrumento armamentício (de uma corrida armamentista) ."
Pelo esboço até agora divulgado do plano, não há como acusá-lo de desperdício de dinheiro, uma vez que não há dinheiro para executá-lo. É um plano inexeqüível. Começa pela meta da elevação do orçamento militar de 1% do PIB para 2,5%, sem a preocupação de corrigir os problemas estruturais que deixam as Forças Armadas em situação de virtual penúria. Elas estão desaparelhadas não é por falta de dinheiro. Recebem o segundo maior quinhão do Orçamento da União, abaixo apenas do Ministério da Saúde. O problema é que, tal como está organizada a carreira militar, as despesas com pessoal, na ativa e na reserva, absorvem quantidades crescentes de recursos - que não sobram para a necessária compra de armas e o adestramento da tropa. Hoje se gasta com pessoal cerca de 80% do orçamento, participação que vem aumentando, ano a ano, há mais de duas décadas.
Pretende-se, ainda, conceder incentivos fiscais a empresas nacionais produtoras de armamentos para que as Forças Armadas não dependam de fornecedores externos. A criação de uma autarquia militar não passa de uma utopia. Nem a poderosa máquina militar norte-americana é auto-suficiente. Depende de componentes e de sistemas de armas completos, comprados de terceiros países. E como poderá um país como o Brasil, que mal reúne recursos para encomendar duas dúzias de aviões para a Força Aérea, montar uma indústria para projetar e construir caças de quinta geração? Como exercício de whishfull thinking o tema é excitante - mas a sua implementação esbarra, primeiro, no impedimento orçamentário e, depois, na dificuldade praticamente intransponível de encontrar parceiros que nos transfiram tecnologia militar de ponta.
Outro ponto a considerar no Plano Estratégico de Defesa é o modelo de serviço militar que o ministro Mangabeira Unger recomenda para o Brasil. Ele preconiza a volta ao serviço militar universal, agora também para mulheres: "Em um País tão desigual, uma das utilidades do serviço militar obrigatório é servir como nivelador republicano, em que a nação fique acima das classes." É a velha idéia, nascida na Revolução Francesa, da "Nação em armas", promotora da coesão nacional, que pouco sentido tem hoje, numa sociedade integrada por uma rede de ensino universal e ligada por meios instantâneos de comunicação.
Além disso, a idéia é objetivamente inexeqüível. Hoje, o Exército, com um efetivo de cerca de 220 mil homens, não incorpora mais de 70 mil recrutas por ano - os outros são engajados por períodos de até 8 anos - e, com isso, preenche suas necessidades. O ministro sugere que os jovens que não forem incorporados à tropa sirvam a um "serviço social obrigatório", trabalhando em regiões diferentes de onde moram. Ocorre que, segundo dados oficiais, existiam, em 2007, 2.110.996 homens e 2.076.135 mulheres com 18 anos. Imagine-se o custo de alojar, vestir, alimentar e transportar esse enorme contingente - privando o País, ademais, de sua força de trabalho e adiando compulsoriamente, por um ano, as expectativas de realização pessoal desses jovens.
13/09/2008 | |
Veto militar
Decisão sobre fornecedores e ampliação do serviço militar adiam divulgação do Plano de DefesaEspeculações Divergências entre os ministros Nelson Jobim (à esq.), Mangabeira Unger e os comandantes militares serão resolvidas no Conselho de Defesa |
No meio de uma reunião no Palácio do Planalto, na manhã da terça-feira 9, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, pediu licença e retirou-se, alegando intoxicação alimentar. Além do presidente Lula e de Jobim, participavam do encontro o vice-presidente, José Alencar, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o ministro extraordinário de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger. Estava em discussão o desenho final do Plano Estratégico de Defesa, elaborado por Jobim nos últimos 12 meses, com diretrizes de longo prazo para o Exército, a Aeronáutica e a Marinha. Pelo cronograma original, o presidente da República anunciaria o plano no dia 7 de setembro. Lula, porém, não só adiou o anúncio como convocou a reunião de emergência. Ao fim, decidiu deixar o tema em suspenso, sob a justificativa de que quer aprofundar a discussão no Conselho de Defesa Nacional, que será convocado em data a ser marcada. "O presidente acredita que quanto mais respaldo melhor", tentou explicar uma fonte oficial. Diante da decisão do Planalto, é fácil entender o mal-estar do ministro da Defesa. Nelson Jobim, justiça seja feita, não traçou o plano sozinho. A tarefa coube ao Comitê Ministerial de Formulação da Estratégia Nacional de Defesa, criado em 2007 e integrado por Jobim, Unger, os comandantes das três forças e os ministros da Fazenda, do Planejamento e da Ciência e Tecnologia. Coube ao ministro da Defesa presidir os trabalhos. Ele abraçou a causa da modernização dos equipamentos das Forças, ao dar apoio a investimentos em helicópteros, submarinos e caças, além de novos veículos para o Exército.
Generais querem reforçar serviço militar obrigatório |
Pergunta-se, agora, o que saiu errado. Sem informação oficial, sobram especulações. Por mais que se diga que o plano traz apenas diretrizes, sem especificar a compra de equipamentos, dá-se como certo que o principal impasse nasceu nesse ponto. Enquanto Jobim tem preferência por amplo acordo com os franceses, que pode envolver até a compra de jatos Rafale, fabricados pela Dassault, Mangabeira Unger encantou-se com a oferta dos russos e dos ucranianos, esses últimos envolvidos na reconstrução da base de Alcântara. O presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, vem ao Brasil em novembro e o da França, Nicolas Sarkozy, desembarca em dezembro. Outro ponto encruado diz respeito à pressão dos militares por mudanças no serviço militar obrigatório, com o objetivo de fazer do contingente de recrutas um "espelho" da sociedade brasileira. Hoje, serve quem precisa, ou seja, jovens de baixa renda. Isso afastou das Forças Armadas os jovens das classes A e B. Logo, não faltam pontos polêmicos. E a resposta final ficará a cargo do Conselho de Defesa Nacional, do qual também participam o ministro das Relações Exteriores e os presidentes da Câmara e do Senado.