O custo militar do mundo tem subido ano a ano, depois da guerra
fria. Em 2006 (os dados de 2007 são inconclusos) as participações
mais expressivas no total global em torno de US$ 1,2 trilhão foram
dos EUA, cerca de 45% (praticamente a soma dos dez orçamentos
seguintes), Inglaterra, França, China, Japão, Alemanha, Rússia,
Itália, Arábia Saudita, Índia e Coréia do Sul, com participações de
5% a 2%. Destacaram-se na importação de armas Paquistão, Índia,
Arábia, Israel e Venezuela. A China produz o que precisa e está na
lista dos provedores: EUA (importante para Paquistão e Israel),
Rússia (Índia e Venezuela), Inglaterra, França e China (para o
Paquistão, visto como contrapeso à Índia). EUA e Rússia respondem
por mais da metade desse comércio.
À parte os EUA, superpotência global não comparável, vejamos as
configurações do preparo militar, sinalizadoras de preocupações e
intenções - em particular as das Marinhas, que bem refletem o
propósito: defensivo ou para atuação distante. Comecemos pela China,
cujo orçamento militar, a seguir aumentando como nos últimos anos,
logo será o segundo do mundo (o da Índia também tem crescido, embora
menos, o do Japão tem permanecido estável e os europeus diminuíram,
exceto o russo).
Além do seu desenvolvimento nuclear, e em coerência com sua tradição
continental-
China vem procurando melhorar sua Marinha, embora aparente
reconhecer que Taiwan não tem solução pela força enquanto implicar
confronto com os EUA. A intenção parece ser o poder supra-regional,
consoante com sua condição de potência e ator econômico global,
similar à da Alemanha de Guilherme II, que pretendeu uma Marinha à
altura da sua hierarquia global. Além de ampliar a Marinha
defensiva, a China desenvolve a arma aeronaval, que, mais do que na
defesa, faz sentido em águas distantes. Em médio prazo, no Mar do
Sul da China (de potencial petrolífero) e no Índico, inserido na
presença chinesa na África e no trânsito do petróleo do Oriente
Médio. A persistir a evolução atual, em 15 a 20 anos a China poderá
ser a segunda potência naval do mundo - terceira se a Rússia tiver
sucesso na "segunda época" naval pós-malogro soviético.
A Índia procura obter um porta-aviões russo, com vista ao
macrocenário estratégico do Índico, que afeta sua segurança. Mas seu
preparo sugere, de fato, preocupação com a defesa do país e seus
interesses no seu entorno, sua soberania e integridade, sem
propensão ambiciosa. Além da modernização do Exército e da Força
Aérea e do desenvolvimento nuclear, "de olho" na China e no
Paquistão, a Índia enfatiza a arma submarina - inclusive o submarino
que integrará seu poder nuclear. Negocia um submarino nuclear russo,
para familiarização prévia à construção dos seus, com apoio russo.
Inexistindo razão que exija enérgica ação norte-americana, em breve
a Índia compartilhará (ou disputará...) com a China o protagonismo
no Índico, extensivo a duas áreas críticas: os Estreitos de Ormuz
(ligação Índico-Golfo Pérsico, saída do petróleo do Golfo, onde
realça o problemático Irã) e de Malaca (ligação Índico-Pacífico,
entre Indonésia e Malásia/Cingapura, por onde passam 80% do óleo
importado pela China - e proporção similar pelo Japão; a China
constrói oleoduto em Mianmar, do Índico ao seu território,
alternativa para o estreito).
O Japão, condicionado por sua Constituição do fim da 2ª Guerra
Mundial, ao menos na retórica um tanto incoerente com seu orçamento
militar, vem tendo seu preparo parametrado pela defesa, atenta em
anos recentes à hipotética ameaça da Coréia do Norte. É crescente a
participação da Marinha, mas sua configuração até agora não incluiu
a arma aeronaval para atuação distante, praticada pelo Japão na 2ª
Guerra Mundial. Com a flexibilização da cláusula constitucional
restritiva - que ocorrerá -, é improvável que isso continue assim.
A par de seu projeto nuclear de contraposição à Índia, o Paquistão,
apoiado pelos EUA, reforça sua Força Aérea e sobretudo seu Exército,
por força da proximidade do turbulento Afeganistão, do contencioso
da Caxemira e da segurança interna. Indonésia e as Coréias também
aplicam recursos vultosos no preparo militar, mas pesam pouco em
face de China, Japão, Índia e Paquistão. Salvo a incógnita nuclear,
o poder militar da Coréia do Norte é visto por alguns analistas como
a figuração burlesca inerente ao seu regime.
Diferente da Ásia (Pacífico e Índico) e salvo a Rússia, que está
recobrando o recuo dos 1990, a Europa, cujos orçamentos militares
têm sofrido constrições sistemáticas, parece viver uma crise
existencial na política de poder global, resignada à impotência ou
secundariedade além de suas proximidades - se não até nela, como
ocorreu na questão dos Bálcãs nos 1990, conduzida pela Otan sob
controle norte-americano. A França dispõe de um porta-aviões médio e
a Inglaterra, dois, menores, que operaram aviões V-Stol - o que
limita sua eficácia à atuação contra potências secundárias (foi esse
o caso das Malvinas, em 1982).
Realmente, desde o infeliz evento no Suez em 1956, a Europa vem
abdicando para os EUA dos cuidados com o mundo, que foram seus por
quatro séculos - abdicação já consagrada na Ásia e em sua periferia,
embora ainda não tanto em termos de missões humanitárias na África
ex-colônias. Em situações distantes e graves a Europa só pode ser
coadjuvante militar dos EUA - uma conjuntura mutável se a União
Européia chegasse a políticas externa e de defesa comuns, exigentes
de compromissos que, sem clara ameaça comum, são mais difíceis que
os da união econômica.
Enfim, EUA à parte, o Ocidente (Europa, ressalvada a Rússia) se
retrai no balanço estratégico global e, em harmonia com sua
economia, ascende nele o Oriente (Ásia - Pacífico e Índico).
A América do Sul não afeta esse balanço, embora existam sintomas
petrodolarizados de devaneios bolivarianos com intenção de perturbá-
lo...
Mario Cesar Flores é almirante-de-